Brasil

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26 de nov. de 2007

O governo que sofisma

Correio Braziliense
O governo que sofisma
Raul Pilati


Diante das críticas, finja que responde. É a tática que o governo vem aprimorando em grau inédito. O sistema é simples: quando cobrada, a autoridade federal fala de uma questão paralela, dá a impressão de que está tratando da acusação, mas, na prática, não esclarece nada. É uma dissimulação que costuma satisfazer os repórteres com verborragia inútil. Dariam orgulho aos criadores da linha filosófica do sofisma, nascida na Grécia antiga e hoje sinônimo de enganar.A definição do dicionário Houaiss para sofisma é precisa: argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.Exemplos recentes não faltam. Na semana passada, a Receita Federal divulgou o resultado da arrecadação de impostos do mês passado. Ficou demonstrado que os cofres dos governos (federal, estaduais e municipais) estão cada vez mais cheios — no período de janeiro a outubro os brasileiros pagaram R$ 484 bilhões em tributos e R$ 15 bilhões acima do previsto pelo próprio governo.EscondendoEscaldada com as críticas verdadeiras contra o crescimento absurdo da carga tributária ano após ano, a Receita antecipou-se com um documento detalhado onde identifica quais impostos mais contribuíram com o aumento de arrecadação. O argumento geral é que a atividade econômica está mais intensa e, portanto, as empresas e pessoas estão pagando mais impostos. Há explicações sobre o "crescimento de 13,6% no volume geral de vendas com destaque para veículos e motos, partes e peças (19,8%) e móveis e eletrodomésticos (12,7%)".Em destaque, a Receita alerta que "dado que, especialmente, nos últimos dois anos não houve aumento de alíquotas de tributos federais, esse crescimento decorreu, principalmente, do desempenho da economia e do efetivo trabalho da Receita … na recuperação dos débitos em atraso". Mas, e quanto ao aumento da carga total de impostos? Nem uma linha.Assim, respondeu sem responder. Uma rápida olhada nos dados da própria Receita sobre a carga (veja tabela abaixo) desmonta o sofisma. Passou de 31,46% em 2003 (já considerando o PIB revisado pelo IBGE) para 34,23% em 2006. De cada R$ 100 que os trabalhadores brasileiros suaram para produzir, entregaram R$ 34,23 para o governo. Este ano vai bater outro recorde. Mas o presidente Lula gosta do discurso de que a carga tributária não subiu. NegandoOutro caso de sofisma foi utilizado quando veio à público que o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, afastou quatro pesquisadores do instituto. O argumento de primeira hora de Pochmann foi que o Instituto, dedicado a ajudar a pensar o país, está mudando de foco e quer pesquisar o planejamento de médio e longo prazos. Por exclusão, se conclui que os economistas dispensados não se enquadram neste trabalho voltado para o futuro.Mas o argumento invertido não resiste à constatação prática. Fabio Giambiagi, por exemplo, é defensor de reformas estruturais (como previdenciária, tributária e trabalhista) como forma de estimular o crescimento econômico. A reestruturação da Previdência, por exemplo, seria necessária, na sua visão para garantir a aposentadoria das futuras gerações. Temos que nos sacrificar agora para que nosso netos tenham aposentadoria, disse certa vez. Se isso não é planejamento de longo prazo, é o quê?Em comum, os afastados têm pensamento econômico divergente da ala formada por Pochmann, Mangabeira Unger (ministro de Assuntos Estratégicos), o ministro Guido Mantega e a ministra Dilma Rousseff. Se o cargo permite, qualquer chefia tem liberdade para definir os auxiliares. Porém, para dirigir é preciso honestidade intelectual. Se não gostam do pensamento liberal dos demitidos, assumam o fato. Não sofismem.OmitindoEm alguns momentos o quadro é tão grave que nem sofismar resolve. Na sexta-feira, a Caixa Econômica Federal convocou os jornalistas para divulgar seu balanço do terceiro trimestre. O resultado ridículo foi de um lucro de R$ 62,5 milhões. Só para comparar, foi menor que do BRB no mesmo período. Porém, os diretores que atenderam os repórteres começaram a coletiva falando apenas dos resultados acumulados no período de janeiro a setembro. Se recusaram por algum tempo a informar os números de julho a setembro, objeto da conversa. Deve ter sido por vergonha.

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