Brasil

Brasil
Brasil

6 de dez. de 2007

Reforma tributária versus previdenciária

O Estado de S. Paulo
Cid Heraclito de Queiroz*
O Fórum Nacional da Previdência Social, reunindo as entidades representativas dos trabalhadores e empregadores e diversos órgãos públicos, concluiu os seus trabalhos sem que fosse obtido o pretendido consenso sobre questões relevantes, como o tempo de contribuição e os limites mínimos de idade para efeito de aposentadoria e o fator previdenciário, de modo a compatibilizar o Regime Geral da Previdência Social com a dinâmica do crescimento econômico, a distribuição da renda nacional e a nova expectativa de vida dos brasileiros. O fracasso, inobstante os esforços do ministro da Previdência, decorreu da dimensão exagerada do fórum (cerca de 60 participantes com direito a voz e voto), da metodologia adotada, de algumas posições radicais e, sobretudo, da falta de uma proposta do governo que orientasse os debates.A par da discussão sobre variados aspectos da questão previdenciária, contudo, o fórum veio confirmar que praticamente todo o déficit, até então atribuído ao desequilíbrio entre contribuições e benefícios pagos, resulta dos subsídios ou ’renúncias previdenciárias’, isto é, o pagamento a menor, por algumas classes, das contribuições à Previdência Social, em função de razões sociais ou econômicas - como o setor rural (R$ 28,5 bilhões), as empresas optantes pelo Simples (R$ 4,9 bilhões), os exportadores de produtos primários (R$ 1,85 bilhão), as entidades de benemerência social (R$ 4,19 bilhões), etc. - dados de 2006. O governo chegou a anunciar a expedição de um decreto para dar o adequado tratamento financeiro e contábil à matéria, mas, como é comum na burocracia estatal, a medida esbarrou em alguma força oculta. Em sentido contrário à sustentabilidade da Previdência Social, um dos objetivos centrais do fórum, as renúncias previdenciárias serão aumentadas pela emenda de prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que prevê a redução da contribuição previdenciária dos trabalhadores. Isso para que estes continuem a pagar a CPMF, quando o certo seria isentar os saques nas contas até um limite predeterminado.Lamentavelmente, o fórum, não apoiou a implementação do Fundo Financeiro do Regime Geral da Previdência Social, de que trata o artigo 250 da Constituição federal, a ser gerido com a participação dos próprios trabalhadores, ativos e inativos, e que recolheria o total das contribuições pagas por empregadores e trabalhadores e receberia do Tesouro - à conta da receita da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) - o ressarcimento pelos subsídios concedidos. O fundo, além de dar transparência às contas da Previdência, possibilitaria, a exemplo do que ocorre com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e os Fundos de Previdência Privada, a aplicação de suas disponibilidades no mercado financeiro, gerando novas receitas, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com o fundo, as receitas da Previdência deixariam de transitar pelo caixa do Tesouro e o pagamento dos benefícios deixaria de ser entendido como despesa da União. E ficaria claro que a receita das contribuições pagas por empregadores e trabalhadores está vinculada, constitucionalmente, a uma destinação específica. A participação do poder público se resumiria a assegurar, no interesse da coletividade, a compulsoriedade dos pagamentos, à semelhança do que ocorre com as legítimas contribuições ao FGTS, ao ’Sistema S’ e às autarquias profissionais (OAB, CRM, Crea, etc.) e com os seguros obrigatórios.Enquanto o fórum se desenvolvia no Ministério da Previdência, do outro lado da Esplanada o Ministério da Fazenda elaborava um projeto de reforma tributária, com o propósito de eliminar a ’guerra fiscal’ entre os Estados e reduzir a burocracia. Muito embora ainda não corporificada num projeto de emenda constitucional, mas apenas numa lista de propostas, o governo pretenderia basicamente: substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) por um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) estadual; criar, para os municípios, um Imposto de Vendas a Varejo (IVV), do tipo da Sales Tax norte-americana; e substituir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a Cofins, a contribuição ao PIS/Pasep e a Cide-Combustíveis por um IVA federal. Os demais impostos e contribuições remanesceriam, inclusive a CPMF. Falta à reforma, no entanto, o principal: a diminuição da carga tributária, que poderia começar pela redução das alíquotas e elevação do limite de isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas.Entretanto, o mais estranho nessa proposta é a extinção da Cofins, criada pela Constituinte, como lembrou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para custear as despesas com a assistência social, a assistência médico-hospitalar e os subsídios na área da Previdência. Isso depois de o governo haver transformado a incidência dessa contribuição, de cumulativa para não-cumulativa, muito embora mediante alíquotas exageradas. Na proposta da reforma tributária não há nenhuma indicação sobre a nova fonte de custeio da Seguridade Social, que, pela Constituição, deveria ser objeto de um orçamento específico, com estimativa de receitas e previsão de despesas próprias, separado do orçamento fiscal (Tesouro). O projeto pioneiro de reforma tributária, elaborado anos atrás, previa um só IVA regulado em lei federal e partilhado, na própria rede bancária, entre a União, os Estados e os municípios. E previa, ainda, um adicional ao IVA, para custear a Seguridade Social.Resta confiar no bom senso das nossas altas autoridades, para que não se produza um imbróglio reforma tributária x reforma previdenciária, que prejudique Estados e municípios, inviabilize a Seguridade Social, assuste os contribuintes e desestabilize a moeda nacional.* Cid Heraclito de Queiroz, advogado, foi procurador-geral daFazenda Nacional (1979/1991)

O Estado de S. Paulo
Cid Heraclito de Queiroz*

Nenhum comentário: