Brasil

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29 de nov. de 2007

A melhoria do IDH não chegou até Abaetetuba

Gazeta Mercantil
Brasil alcançou 0,800 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) calculado pela ONU. É a pontuação mínima para figurar no grupo de elite dos 177 países analisados. Curiosamente, o presidente Lula, sempre bastante loquaz nessas ocasiões, foi bastante comedido na solenidade no Palácio do Planalto em que a boa nova foi anunciada. O presidente falou sobre comércio externo, sobre as pressões das nações ricas e não vinculou a melhoria a feito exclusivo de seu governo. Não estavam presentes os ministros da Saúde e da Educação, óbvias "estrelas" dessa conquista.Talvez o motivo da cautela e da discrição presidencial não estava muito distante dessa solenidade. Naquele mesmo momento, em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado, o delegado-geral do Estado do Pará, Raymundo Benassuly, responsável pelas investigações dos seguidos estupros sofridos por uma menina de 15 anos na cadeia de Abaetetuba, responsabilizava a vítima dizendo que ela tinha "alguma debilidade mental" que, em sua opinião, a impediu de contar à polícia que era menor de idade. Com o que se depreende que, se a presa fosse maior de idade, na forma da lei praticada no Brasil real, seria correto permanecer em cela com outros 20 homens.Nessa situação, é difícil, de fato, comemorar avanços sociais no Brasil. Não há dúvida de que o País descobrir que ocorreu aumento de renda e de expectativa de vida em 2005 é muito bom. Sem esquecer de que essa não foi a primeira vez que o Brasil apareceu no relatório do IDH com mais de 0,800. Em 1998, o Brasil atingiu esse patamar, mas o perdeu no ano seguinte porque o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) alterou a forma do cálculo. Desde então, na nova série histórica, esta é a primeira vez que o País alcança 0,800.O IDH foi elaborado em 1990 para estabelecer parâmetros internacionais de avaliação de progresso social construídos a partir de dados de renda, saúde e educação. Na saúde, a expectativa de vida é determinante, do mesmo modo que taxas de alfabetização de adultos e de escolaridade definem os padrões de educação. A renda tem referência no cálculo do PIB corrigido quanto às diferenças cambiais a partir do conceito de Poder de Paridade de Compra.É preciso observar também que esses critérios foram aplicados em relação aos dados de 2004, um ano especialmente favorável em termos de expansão econômica. Ao longo do governo Lula, 2004 foi o de maior expansão, movido principalmente por preços de commodities internacionais muito bons. Nesse ano a arrecadação foi expansiva, permitindo, inclusive, bondades orçamentárias que não se repetiriam nos anos seguintes.Esse foi o caso da Saúde. Em 2004, o setor recebeu US$ 1.520 per capita, mais que o dobro do que foi aplicado em 2003, US$ 598. Nesse ano, a fatia do Orçamento destinado à Saúde bateu em 4,8% do PIB, valor que não foi superado desde então. Esses recursos fizeram com que a saúde pública pagasse aumento significativo na tabela da Sistema Único de Saúde. A taxa de mortalidade infantil reagiu muito rápido, alcançando a média de 33 por mil crianças nascidas vivas. Para entender esse avanço basta saber que dez anos antes a taxa de mortalidade infantil era mais que o dobro desse índice.O processo de melhoria obtido na educação foi diferente e não dependeu de dotações orçamentárias imediatas. Desde 1995, com a emenda constitucional que instituiu o Fundo de Valorização do Magistério e de Desenvolvimento da Educação Fundamental (Fundef), a municipalização do ensino primário avançou porque as prefeituras recebiam recurso por aluno matriculado. O salto na escolaridade entre 7 e14 anos foi lento e constante desde então. Em 2004, por essa razão, 95% das crianças nessa faixa etária estavam na escola. O Brasil não melhorou mais nesse item porque no ensino médio a taxa líquida de matrícula era de 32%. As matrículas produto do Fundef, no entanto, elevaram o IDH na educação.Esses fatos não foram capazes de alterar a profunda desigualdade social no Brasil, fruto da péssima distribuição de renda no País. No índice geral, o Brasil perde para quase todos os seus vizinhos e só ganha da Guatemala por uma única posição. O papel do Bolsa Família nesse aspecto é importante, mas não suficiente para alterar esse quadro, que depende não só de políticas compensatórias, mas de efetiva geração de renda e de empregos de qualidade.A mudança muito tênue na distribuição de renda no Brasil, a frágil contenção da pobreza no País, é a explicação real da discreta comemoração no Planalto sobre o novo IDH. Na madrugada seguinte em que o Brasil entrou no clube dos que exibem 0,800 de IDH, na cidade mais rica do País um mendigo foi queimado enquanto dormia "por disputa de espaço" em uma marquise.Esses fatos não empanam boas notícias. Apenas mostram que o IDH de país rico ainda não chegou, por exemplo, nem a Abaetetuba nem ao centro de São Paulo.

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